Newsletter nº 120 | Setembro 2024
Nesta edição:
STJ decide que não incide IRRF sobre a transferência de cotas de fundo de investimento em decorrência de sucessão causa mortis
Em 29.08.2024 foi publicado acórdão proferido pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, dando parcial provimento ao Recurso Especial nº 1.968.695/SP (“REsp nº 1.968.695”) para reconhecer que não incide Imposto de Renda Retido da Fonte (“IRRF”) sobre a transferência de cotas de fundo de investimento por sucessão causa mortis quando, sem solicitar o resgate das cotas, os herdeiros formulam requerimento de transmissão de cotas, optando pela manutenção dos valores declarados na última Declaração do Imposto de Renda Pessoa Física (“DIRPF”) do falecido.
O REsp nº 1.968.695 originou-se de mandado de segurança preventivo visando o reconhecimento do direito líquido e certo de não incidir IRRF sobre a transferência de cotas de fundo de investimento em decorrência de sucessão causa mortis. Isso porque, com a abertura do inventário de seu pai, a parte impetrante requereu a transferência das cotas de titularidade do de cujos pelo valor constante na última DIRPF apresentada por ele, oportunidade em que foi informada da incidência do IRRF pela instituição financeira que administra o fundo de investimento.
Acerca do tema, o Ministro Relator Gurgel de Faria ressaltou que o STJ já decidiu que o fato gerador do imposto de renda é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda, proventos de qualquer natureza ou acréscimos patrimoniais.
O Ministro Relator consignou que, neste contexto, duas hipóteses poderiam ensejar o fato gerador do Imposto de Renda: (i) existência de ganho de capital, ante a valorização das cotas; ou (ii) acréscimo patrimonial, em razão dos rendimentos financeiros proporcionados pelo fundo de investimento, ambas as hipóteses não configuradas no caso em apreciação pelo STJ.
Destacou-se que a legislação estabelece duas opções para avaliação de bens e direitos objeto de transferência de propriedade por sucessão nos casos de herança, legado ou por doação em adiantamento de legítima: (i) pelo valor de mercado ou (ii) pelo valor constante da DIRPF do de cujus ou do doador.
Especificamente sobre essa norma, o Supremo Tribunal de Federal – STF, no âmbito do julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.425.609/GO (“RE nº 1.425.609”), reconheceu sua constitucionalidade, entendendo não estar configurada bitributação, uma vez que o IRRF incide exclusivamente quando a transferência de bens se opera pelo valor de mercado.
No caso em análise pela 1ª Turma do STJ, no entanto, o Ministro Relator destacou que as cotas estariam sendo transmitidas aos herdeiros diretamente em razão do falecimento do titular e avaliados conforme última DIRPF do de cujos e não por valor de mercado.
Nas palavras do Ministro Relator, “não há norma legal stricto sensu a determinar a incidência de IRRF sobre a mera transferência de quotas de fundos de investimento – de qualquer modalidade – decorrente de sucessão causa mortis, quando os herdeiros optam pela observância do valor constante da última declaração de bens de cujus. Somente incide o tributo se a transferência for realizada por valor de mercado e houver diferença positiva relativamente ao valor de aquisição”.
Pontuou-se também que, em conformidade com o princípio da legalidade em matéria tributária, o tributo só pode ser exigido do contribuinte quando houver precisa adequação entre o fato e a hipótese legal de incidência. Em outras palavras, a autoridade administrativa só pode exigir o pagamento do tributo quando ocorrer sua descrição típica.
Por essa razão, o Ministro Relator entendeu ser descabida a pretensão de se interpretar de forma extensiva a norma jurídica para entender que o termo “resgate” englobaria a hipótese de transferência de bens por sucessão causa mortis sem ganho de capital, principalmente em relação a fundo de investimento constituído sob a forma de condomínio fechado.
Por fim, o Ministro Relator pontuou ser ilegal o Ato Declaratório Interpretativo ADI/SRFB nº 13/2007 (“Ato nº 17/2007”) na parte em que prevê a incidência de IRRF para casos de transmissão de aplicações financeiras por sucessão hereditária, sem vincular à existência de ganho de capital. Isso porque, tratando-se de fonte normativa secundária, o Ato nº 17/2007 não tem o condão de criar hipótese de incidência tributária diversa daquela expressamente prevista em lei.
Por essas razões, a 1ª Turma do STJ, por unanimidade, deu parcial provimento ao REsp nº 1.968.695, nos termos do voto do Ministro Relator.
Maiores informações, bem como a íntegra do Acórdão, podem ser encontradas no site do STJ (www.stj.jus.br).
CVM divulga regras para portabilidade de investimentos em valores mobiliários
Em 26.08.2024 a Comissão de Valores Mobiliários – CVM editou a Resolução CVM nº 210/2024 que estabelece as regras e procedimentos para a portabilidade de investimentos em valores mobiliários e, também, a Resolução CVM nº 209/2024, que promove alterações pontuais em outras normas da Autarquia para compatibilizá-las às novas disposições da Resolução CVM nº 210/2024.
Ambas as Resoluções objetivam simplificar e facilitar a movimentação de investimentos em valores mobiliários. A Resolução CVM nº 210/2024 foi precedida de Análise de Impacto Regulatório (AIR) e da Consulta Pública SDM nº 02/2023, ocasião em que os agentes do mercado tiveram a oportunidade de enviar sugestões e comentários a respeito do tema.
Prevista na Agenda Regulatória da CVM de 2024, a Resolução CVM nº 210/2024 dispõe sobre as regras e procedimentos aplicáveis a custodiantes, intermediários, depositários centrais, entidades registradoras e administradores de carteiras de valores mobiliários, na recepção e processamento de solicitações de portabilidade de valores mobiliários, bem como de eventuais direitos e ônus a eles atribuídos.
A esse respeito, a norma define “portabilidade” como a transferência entre as referidas instituições de valores mobiliários e de eventuais direitos e ônus a eles atribuídos, a pedido do investidor ou seu representante, realizada sem alteração de titularidade.
Dentre as novidades implementadas pela Resolução CVM nº 210/2024, destacam-se as seguintes:
(i) interface digital para a solicitação de portabilidade: os custodiantes, intermediários e depositários centrais deverão disponibilizar interface digital para a solicitação de portabilidade, acessível exclusivamente por meio de senha, assinatura eletrônica ou mecanismo de identificação similar.
Dentre suas funcionalidades, a plataforma digital deverá proporcionar ao investidor a possibilidade de acompanhamento de suas solicitações, com a disponibilização de informações sobre andamento, estágio de processamento e estimativas de prazo para efetivação da portabilidade solicitada.
Vale destacar, no entanto, que ainda é possível o investidor realizar solicitação de portabilidade via documentos físicos ou por outros meios alternativos, caso assim prefira, desde que tais documentos sejam disponibilizados pelo custodiante, intermediário ou depositário central. Nessa hipótese, o investidor deverá manifestar sua ciência sobre a existência da interface digital para a solicitação e que, ainda assim, optou por não utilizá-la.
(ii) possibilidade de escolha do ponto de solicitação da portabilidade: com a edição da Resolução CVM nº 210/2024, o investidor poderá fazer a solicitação de portabilidade (ii.1) ao custodiante ou intermediário de origem (ou seja, agente de onde o valor mobiliário está sendo transferido); (ii.2) ao custodiante ou intermediário de destino (aquele para o qual o valor mobiliário está sendo transferido); ou (ii.3) ao depositário central, que transmitirá a solicitação ao custodiante de origem e ao de destino.
Anteriormente, a solicitação de portabilidade deveria ser exclusivamente formulada ao custodiante ou ao intermediário de origem. Sobre esse particular, o Edital da Consulta Pública SDM nº 02/2023 menciona que a CVM apurou, por meio de amostra realizada na Análise de Impacto Regulatório, que o Brasil se apresentava como único caso em que a solicitação de portabilidade era feita dessa forma.
No entendimento da CVM, a referida alteração tende a produzir efeitos positivos sobre a celeridade e a fluidez do processo em razão do alinhamento entre os interesses do cliente e do intermediário de destino, pois pressupõe que ambos têm interesse em que a portabilidade transcorra de forma rápida e desimpedida;
(iii) escalonamento de prazos: de acordo com a Resolução CVM nº 210/2024, o prazo para a efetivação da portabilidade dependerá da complexidade operacional de cada valor mobiliário. Nesse sentido, a norma prevê uma lista de prazos para transferência de valores mobiliários, que variam de dois a nove dias úteis.
A título exemplificativo, valores mobiliários submetidos a regime de depósito centralizado devem ser transferidos em até dois dias úteis, enquanto cotas de fundos de investimento devem ser transferidas em até nove dias úteis;
(iv) disponibilização de dados quantitativos: a Resolução CVM nº 210/2024 prevê a obrigação de os custodiantes e intermediários de origem de manterem à disposição da CVM e das entidades autorreguladoras dados quantitativos sobre a contagem de solicitações de portabilidade, de forma agregada, por ano-calendário.
Nesse sentido, as instituições deverão fornecer os seguintes dados: (iv.1) quantidade de solicitações formuladas diretamente ao custodiante ou intermediário de origem; (iv.2) quantidade de solicitações realizadas a depositário central e custodiante ou intermediário de destino, e subsequentemente comunicadas ao custodiante ou intermediário de origem; e (iv.3) quantidade de solicitações canceladas, atendidas no prazo regulamentar, atendidas integral ou parcialmente no prazo estendido e solicitações integral ou parcialmente recusadas; e
(v) infração grave: por fim, a Resolução CVM nº 210/2024 caracteriza como infração grave as seguintes condutas: (v.1) inobservância reiterada dos prazos previstos para efetivação da portabilidade; (v.2) ação ou omissão que impeça ou retarde, de forma injustificada, o processamento da solicitação de portabilidade; (v.3) não disponibilização da interface digital pelos custodiantes, intermediários e depositários centrais, mencionada no item ‘(i)’ acima; e (v.4) não observância do disposto no art. 12 da Resolução, o qual estabelece que, em caso solicitação de portabilidade formulada a custodiante ou intermediário de destino, o custodiante ou intermediário de origem deverá obter a validação do investidor acerca da solicitação de portabilidade, preferencialmente por meio de sua interface digital para solicitação de portabilidade.
As Resoluções nos 209/2024 e 210/2024 entrarão em vigor em 01.07.2025.
Maiores informações, bem como a íntegra da Resolução nº 210/2024, podem ser encontradas no site da Comissão de Valores Mobiliários (www.gov.br/cvm).
Ofício-circular da CVM orienta acerca da interpretação da norma que trata de suitability
Em 30.08.2024 as Superintendências de Relações com o Mercado e Intermediários – SMI e de Supervisão de Investidores Institucionais – SIN da Comissão de Valores Mobiliários – CVM divulgaram o Ofício Circular Conjunto CVM/SMI/SIN 01/2024, destinado às pessoas habilitadas a atuar como integrantes do sistema de distribuição, com o objetivo de esclarecer a interpretação das áreas técnicas sobre o art. 4º da Resolução CVM nº 30/2021, norma que dispõe sobre o dever de verificação da adequação dos produtos, serviços e operações ao perfil do cliente (“Ofício Circular Conjunto nº 01/2024”).
Nos termos da referida norma, as pessoas habilitadas a atuar como integrantes do sistema de distribuição e os consultores de valores mobiliários devem avaliar e classificar o cliente em categorias de perfil de risco previamente estabelecidas.
O Ofício Circular Conjunto nº 01/2024 contempla esclarecimentos acerca das situações em que as pessoas acima referidas cadastram novo cliente e optam por classificá-los em categorias de perfil de risco sem que o cliente responda a questionário específico. Nessas hipóteses, o Ofício Circular Conjunto nº 01/2024 destaca que:
(i) o cliente deve ser necessariamente classificado na categoria de menor propensão à assunção de riscos, conforme estabelecida pelas regras e procedimentos internos da instituição;
(ii) as recomendações de produtos e serviços ao cliente devem se limitar àquelas adequadas à categoria em questão;
(iii) a classificação na categoria de menor propensão à assunção de riscos deve ser comunicada ao cliente por ocasião de seu cadastramento, acompanhada da informação de que o acesso a outros produtos e serviços disponíveis às demais categorias depende da prévia e completa aplicação, pela instituição, das disposições da Resolução CVM nº 30/2021 para a determinação do perfil;
(iv) a solicitação do cliente para a realização de operações com valores mobiliários que não seja adequada ao seu perfil constitui motivação suficiente para que as instituições adotem as medidas necessárias para verificar se (iv.1) o produto, serviço ou operação é adequado aos objetivos de investimento do cliente; (iv.2) a situação financeira do cliente é compatível com o produto, serviço ou operação; e (iv.3) o cliente possui conhecimento necessário para compreender os riscos relacionados ao produto, serviço ou operação, bem como avaliar e classificar o cliente em categorias de perfil de risco previamente estabelecidas; e
(v) as obrigações de alerta sobre ausência, desatualização ou inadequação do perfil e declaração expressa do cliente de que está ciente de tal ausência, desatualização ou inadequação limitam-se às situações em que o cliente ordena a realização de operações, por sua própria iniciativa. Não se admite que tais medidas sejam utilizadas pela instituição como subterfúgio para a realização de operações após prévia recomendação de produtos ou serviços não adequados ao perfil do cliente. Tal prática é absolutamente vedada nos casos descritos e considerada infração grave pelo art. 16 da Resolução CVM nº 30/2021.
Além disso, o Ofício Circular Conjunto nº 01/2024 consigna que, no âmbito da avaliação do cumprimento da Resolução CVM nº 30/2021, os diretores responsáveis devem dedicar especial atenção aos procedimentos utilizados pelos administradores, empregados e prepostos da instituição, no que se refere ao cadastramento, manutenção e contato com os clientes que se enquadrem na situação de avaliação e classificação em categorias de perfil de risco sem o preenchimento de questionário específico.
No monitoramento periódico, recomenda-se que seja dada ênfase a situações que sinalizem a necessidade de tratamento diferenciado e que podem culminar na exigência de preenchimento completo do perfil do investidor, tais como (i) ocorrências de aportes significativos de recursos pelo cliente, (ii) obtenção de resultados financeiros atípicos; e (iii) uso abusivo da declaração expressa do cliente de que está ciente da ausência, desatualização ou inadequação de perfil, que pode apontar para uma tentativa de se viabilizar a recomendação de produtos ou serviços não adequados ao perfil do cliente.
No Ofício Circular Conjunto nº 01/2024, a SMI e a SIN ponderam, ainda, que as metodologias e os monitoramentos diferenciados aplicáveis a situações como as descritas acima devem estar previstos e detalhados nas políticas e regulamentos da instituição, em especial na política de PLD/FTP, devendo fazer parte da avaliação interna de risco e regras, procedimentos e controles internos.
Finalmente, a SMI e a SIN ressalvam que a interpretação contemplada no Ofício Circular Conjunto nº 01/2024 não prejudica a aplicação das normas já editadas pelos autorreguladores a respeito do dever de verificação da adequação dos produtos, serviços e operações ao perfil do cliente.
Maiores informações, bem como o inteiro teor do Ofício Circular Conjunto nº 01/2024, podem ser encontradas no site da CVM (www.gov.br/cvm).
CMN edita resolução sobre o cálculo e a forma de aplicação da taxa legal de juros
Em 29.08.2024 foi publicada a Resolução CMN nº 5.171/2024, editada pelo Conselho Monetário Nacional – CMN, que dispõe sobre a metodologia de cálculo e a forma de aplicação da taxa legal de que trata o art. 406 do Código Civil (Lei nº 10.406/2002).
A taxa legal se aplica quando os juros (i) não forem convencionados; (ii) forem convencionados sem taxa estipulada; ou (iii) provierem de determinação legal (como nas hipóteses de responsabilidade civil extracontratual).
O art. 406 do Código Civil foi alterado pela Lei nº 14.905/2024, passando a dispor que a taxa legal corresponderá à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – Selic, deduzindo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, apurado e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IPCA. Nesse sentido, a nova redação do Código Civil atribui ao CMN competência para definir a metodologia de cálculo e a forma de aplicação da taxa legal.
A Resolução CMN nº 5.171/2024 estabelece a divulgação mensal da taxa legal pelo CMN, para cada mês de referência, calculada pela razão entre a acumulação das taxas Selic diárias e a taxa de variação do IPCA-15 relativas ao mês anterior ao de referência. Caso o cálculo da taxa legal apresente resultado negativo, esta será considerada igual a zero no mês de referência.
Nesse sentido, a norma editada pelo CMN contempla a seguinte fórmula para cálculo da taxa legal:
TLₘ = Max [(Fator Selicₘ / Fator IPCAₘ) – 1; 0] × 100 (%)
Na qual:
“TLₘ” corresponde à taxa legal relativa ao mês de referência “m”;
“Fator Selicₘ” é o fator de acumulação relativo ao mês de referência “m” da Selic do mês anterior ao de referência; e
“Fator IPCAₘ” é o fator relativo ao mês de referência “m” da taxa de variação do IPCA-15 do mês anterior ao de referência.
Quanto à forma de aplicação, a Resolução CMN nº 5.171/2024 estabelece o regime dos juros simples para fins de acumulação de taxas mensais e de apuração de juros proporcionais (pro rata).
A primeira taxa legal foi divulgada pelo CMN em 30.08.2024 (referente ao mês de agosto deste ano). A partir de setembro, a taxa legal será divulgada sempre no primeiro dia útil de cada mês de referência.
Por fim, o CMN disponibilizou ferramenta para cálculo do reajuste de valores com base na taxa legal. Tal ferramenta pode ser acessar na “Calculadora do Cidadão” disponibilizada no site do Banco Central do Brasil (https://www.bcb.gov.br/meubc/calculadoradocidadao).
Maiores informações, bem como a íntegra da Resolução CMN nº 5.171/2024, podem ser encontrados no site do Banco Central do Brasil (www.bcb.gov.br).
STJ entende que juízo da falência não é o único competente para desconsiderar a personalidade jurídica da falida
Em 11.09.2024 foi publicado acórdão proferido pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça – STJ que, por maioria, não conheceu o Conflito de Competência nº 200.775/SP, cujo objeto era definir o juízo competente para processar e julgar incidente de desconsideração da personalidade jurídica de sociedade empresária que teve sua falência decretada (“Acórdão”).
Os suscitantes do conflito, sócios da sociedade falida, alegaram que o incidente de desconsideração deveria ser analisado pelo juízo falimentar que decretou a falência; e não pelo juízo trabalhista onde tramita reclamação trabalhista movida por um dos credores da sociedade. Nesse contexto, requereram o reconhecimento da competência exclusiva do juízo falimentar e a nulidade de todos os atos processuais praticados pelo juízo trabalhista.
A Relatora, Ministra Nancy Andrighi, votou por conhecer o conflito e declarar a competência do juízo falimentar para processar e julgar o incidente de desconsideração da personalidade jurídica da sociedade. Segundo a Relatora, o art. 82-A, parágrafo único, da Lei nº 11.101/2005¹ atribui ao “juízo falimentar a competência exclusiva para a apreciação do pedido”.
Adicionalmente, a Ministra destacou em seu voto que qualquer entendimento em sentido contrário poderia violar o princípio do par conditio creditorum: se a desconsideração da personalidade jurídica da falida puder ser decretada por qualquer outro juízo que não o juízo falimentar, tal fato geraria vantagem a determinados credores no recebimento de seus créditos, em detrimento daqueles que não forem beneficiados pela desconsideração. A Ministra reforçou que credores trabalhistas já possuem preferência para recebimento de seus créditos, conforme prevê a Lei nº 11.101/2005.
A Relatora registrou, ainda, que, uma vez decretada a falência, as ações trabalhistas devem ser processadas pela justiça especializada até a apuração do respectivo crédito, que posteriormente será inscrito no quadro geral de credores. Além disso, pontuou que a decretação da falência implica na suspensão de todas as execuções em curso movida contra o devedor.
Em voto-vista, o Ministro Antonio Carlos Ferreira divergiu do voto da Relatora Ministra Nancy Andrighi. No entendimento do Ministro, o art. 82-A, parágrafo único, da Lei nº 11.101/2005 não possui como objetivo definir a competência para julgar o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, mas apenas disciplinar a necessidade do processamento do incidente e de observância de seus requisitos materiais para a desconsideração, quando instaurado no âmbito dos autos da falência.
O Ministro esclareceu que, apesar da dúbia redação, o dispositivo não retira a possibilidade de outros juízos desconsiderarem a personalidade jurídica. A esse respeito, afirmou que essa possibilidade não invade a competência do juízo universal da falência, uma vez que os atos de constrição não serão praticados contra o patrimônio da sociedade falida, mas sim de seus sócios.
O Ministro Antonio Carlos Ferreira ponderou, ainda, que conflitos de competência possuem alcance limitado, de modo que se deve ater ao objeto do conflito, qual seja, a definição do juízo competente para processar e julgar o pedido de desconsideração da personalidade jurídica da sociedade. Nesse contexto, o Ministro registra que questões jurídicas envolvendo o princípio da par conditio creditorum e a extinção da execução após a decretação da falência dependem, para uma solução correta, da instrução completa do processo executivo e do respeito ao princípio do contraditório.
Com base nos referidos votos, a Segunda Seção do STJ decidiu, por maioria, por não conhecer do Conflito de Competência nº 200.775/SP, mantendo-se a competência do juízo trabalhista para processar e julgar o pedido de desconsideração da personalidade jurídica. O voto-vista do Ministro Antonio Carlos Ferreira foi acompanhado pelos Ministros João Otávio de Noronha, Raul Araújo, Moura Ribeiro e Marco Aurélio Bellizze, enquanto o voto da Relatora foi acompanhado pelos Ministros Maria Isabel Gallotti, Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Buzzi.
Maiores informações, bem como a íntegra do Acórdão, podem ser encontradas no site do STJ (www.stj.jus.br).
1 Dispõe o art. 82-A, parágrafo único: “A desconsideração da personalidade jurídica da sociedade falida, para fins de responsabilização de terceiros, grupo, sócio ou administrador por obrigação desta, somente pode ser decretada pelo Juízo falimentar com a observância do art. 50 da Lei nº 70.406, de 70 de Janeiro de 2002 (Código Civil) e dos arts. 133, 134, 135, 136 e 137 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), não aplicada a suspensão de que trata o § 32 do art 134 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil”.
Jurisprudência
Superior Tribunal de Justiça
EMENTA RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EMBARGOS À EXECUÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. NÃO DEMONSTRADA. INCLUSÃO NO POLO PASSIVO. ALTERAÇÃO. ESTABILIZAÇÃO DA DEMANDA. PEDIDO. CAUSA DE PEDIR. AUTORIZAÇÃO DO RÉU. DESNECESSIDADE.
1. Ação de embargos à execução ajuizada em 14/09/2021, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 25/10/2023 e concluso ao gabinete em 06/05/2024. 2. O propósito recursal é decidir se é possível a alteração do polo passivo da demanda após o saneamento do processo e sem a autorização do réu.
3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e suficientemente fundamentado o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há falar em violação do art. 1.022, II, do CPC.
4. A alteração do polo passivo quando mantido o pedido e a causa de pedir não viola o art. 329 do CPC.
Pelo contrário, além de homenagear os princípios da economia processual e da primazia do julgamento de mérito, essa possiblidade cumpre com o dever de utilizar a técnica processual não como um fim em si mesmo, mas como um instrumento para a célere composição do litígio.
5. Determinar o ajuizamento de nova demanda apenas para que seja alterado o polo passivo traria mais prejuízos às partes, pois haveria um inefetivo adiamento do julgamento de mérito.
6. As causas em que o pedido ou a causa de pedir são iguais deverão ser julgadas conjuntamente, pois são conexas. Portanto, não há razão para impedir o aditamento que altera apenas a composição subjetiva da lide.
7. Há de ser oportunizada à parte autora a alteração do polo passivo mesmo após o saneamento do processo, desde que não haja alteração do pedido ou da causa de pedir.
8. Dispensada a autorização do réu para alteração do polo passivo quando mantidos o pedido ou a casa de pedir, pois não se trata da hipótese prevista no art. 329 do Código de Processo Civil.
9. Recurso especial conhecido e provido.
(STJ. 3ª Turma. REsp nº 2.128.955/MS. Rel.: Min. Nancy Andrighi. Data de Julgamento: 13.08.2024. Data de Publicação: 15.08.2024)
RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO POR CARTA PRECATÓRIA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. QUESTÕES DEVIDAMENTE ANALISADAS PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. APONTAMENTO DE VÍCIOS NA PENHORA, ARREMATAÇÃO E ALIENAÇÃO JUDICIAL DO BEM. IMÓVEL INDICADO EXPRESSAMENTE PELO JUÍZO DEPRECANTE. COMPETÊNCIA DESTE PARA ANÁLISE DAS NULIDADES SUSCITADAS. INTERPRETAÇÃO EXTRAÍDA DO § 2º DO ART. 914 DO CPC/2015. REFORMA DO ACÓRDÃO RECORRIDO QUE SE IMPÕE. RECURSO PROVIDO.
1. A controvérsia posta em discussão consiste em saber se houve negativa de prestação jurisdicional e se o Juízo deprecante é o competente para apreciar as nulidades apontadas pela recorrente na origem acerca da penhora, arrematação e alienação judicial do bem imóvel.
2. Não há que se falar em omissão ou contradição no acórdão recorrido, pois todas as questões suficientes ao deslinde da controvérsia foram expressamente examinadas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Afasta-se, portanto, a apontada violação ao art. 1.022 do Código de Processo Civil de 2015.
3. Nos termos do § 2º do art. 914 do CPC/2015, “Na execução por carta, os embargos serão oferecidos no juízo deprecante ou no juízo deprecado, mas a competência para julgá-los é do juízo deprecante, salvo se versarem unicamente sobre vícios ou defeitos da penhora, da avaliação ou da alienação dos bens efetuadas no juízo deprecado”.
4. Assim, em regra, a competência para julgamento dos embargos de terceiro que versarem unicamente sobre vícios ou defeitos da penhora, avaliação ou alienação do bem será do Juízo deprecado.
Entretanto, caso haja indicação expressa do bem a ser penhorado pelo Juízo deprecante, será deste a competência para julgamento dos respectivos embargos.
5. Na hipótese, ao contrário do que entendeu o acórdão recorrido, embora o vício apontado seja na penhora, arrematação e alienação do bem, que a recorrente afirma ser de sua propriedade, e não da sociedade executada Expresso Brasília Ltda., constata-se que a indicação do referido imóvel foi dada expressamente pelo Juízo deprecante, ao expedir a carta precatória, razão pela qual será dele a competência para julgar as nulidades apontadas pela recorrente na origem.
6. Recurso especial provido.
(SRJ. 3ª Turma. REsp nº 2.095.460/SP. Rel.: Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma. Data de Julgamento: 06.02.2024. Data de Publicação: 15.02.2024)
RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. SÚMULA 284/STF. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. PEDIDO FORMULADO DUAS VEZES NA PRÓPRIA EXECUÇÃO. MESMA CAUSA DE PEDIR. PRECLUSÃO. OCORRÊNCIA. DOCUMENTOS E FATOS NOVOS. SÚMULA 7/STJ.
1. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica apresentado em 14/7/2017. Recurso especial interposto em 26/6/2023.
Autos conclusos à Relatora em 14/2/2024.
2. O propósito recursal consiste em definir (i) se houve negativa de prestação jurisdicional e (ii) se o trânsito em julgado de decisão que indefere pedido de desconsideração da personalidade jurídica obsta que outro incidente dessa natureza seja apresentado no curso da mesma execução.
3. A ausência da indicação precisa acerca de quais argumentos deduzidos perante o Tribunal de origem não teriam sido enfrentados no acórdão recorrido impede o conhecimento da alegação de negativa de prestação jurisdicional. Incidência da Súmula 284/STF.
4. O trânsito em julgado da decisão que aprecia pedido de desconsideração da personalidade jurídica torna a questão preclusa para as partes da relação processual, inviabilizando a dedução de novo requerimento com base na mesma causa de pedir.
5. Recurso especial não provido.
(STJ. 3ª Turma. REsp nº 2.123.732/MT. Rel.: Min. Nancy Andrighi. Data de Julgamento: 19.03.2024. Data de Publicação: 21.03.2024)
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