30.08.2021

Sancionada a lei que aprimora o ambiente de negócios no Brasil

Em 26.08.2021 foi editada a Lei nº 14.195/2021, que dispõe, dentre outros assuntos, sobre a facilitação para a constituição de sociedades e abertura de empresas no Brasil, a proteção de acionistas minoritários, a facilitação do comércio exterior, o Sistema Integrado de Recuperação de Ativos e a prescrição intercorrente prevista no Código Civil (“Lei nº 14.195/2021”).

A Lei nº 14.195/2021 decorre da conversão da Medida Provisória nº 1.040/2021 (“MPV nº 1.040/2021”), cujos principais aspectos foram detalhados na Newsletter Moreira Menezes, Martins nº 79 (abril/2021).

Com efeito, a Lei nº 14.195/2021 promoveu ampla reforma em diversos aspectos da legislação brasileira relacionados à facilidade em iniciar e desenvolver negócios, modificando de forma substancial o regime jurídico empresarial existente. Sem qualquer pretensão de esgotar o conteúdo da Lei, serão abaixo apresentadas as modificações mais relevantes, separadas por tema.

 

Abertura de sociedades empresárias, obtenção de licenças e autorizações e realização de negócios

A Lei nº 14.195/2021 contemplou ampla reforma da Lei nº 11.598/2007 (denominada “Lei da REDESIM”).

A partir da entrada em vigor da Lei, órgãos e entidades envolvidos no registro e legalização de empresários e sociedades deverão manter à disposição do usuário, gratuitamente, ficha cadastral simplificada com os dados do empresário e instrumentos que permitam realizar pesquisas prévias de viabilidade locacional, de nome empresarial, de registro, de licenciamento e de inscrição.

Além disso, a nova redação do art. 11 da Lei da REDESIM indica a criação de um portal único, mantido pelo Poder Executivo federal, em que serão realizados procedimentos prévios e posteriores ao registro, consultas, pagamentos e outros serviços relacionados ao registro e legalização de empresários e sociedades.

Na mesma linha, alvarás de funcionamento, licenças e outros atos públicos de liberação da atividade empresarial deverão ser considerados válidos até o cancelamento ou cassação por meio de ato posterior, caso seja constatado o descumprimento de requisito ou condições anteriormente verificadas.

Além disso, nos casos em que o grau de risco da atividade seja considerado médio, os alvarás de funcionamento e demais licenças deverão ser emitidos automaticamente, sem análise humana (desde a edição da Lei nº 13.874/2019, as atividades classificadas como de baixo risco podem ser exercidas sem a necessidade de quaisquer atos públicos de liberação).

A nova lei determina que os entes federativos deverão adaptar seus sistemas para que o número de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ passe a ser o único identificador cadastral. O objetivo é acabar com a necessidade de menção a números de inscrições municipais e estaduais, dentre outras, conferindo simplicidade à identificação do empresário.

Adicionalmente, foram confirmadas alterações implementadas com a edição da MPV nº 1.040/2021 no sentido de (i) tornar facultativa a indicação do objeto social no nome empresarial; (ii) permitir que o nome empresarial corresponda ao número do CNPJ, seguido da partícula identificadora do tipo societário, quando exigida por Lei; e (iii) permitir a existência de nomes empresariais semelhantes, permanecendo vedados apenas os idênticos.

Sobre os pontos acima resumidos, a Lei nº 14.195/2021 estabelece o prazo de 60 dias a contar de sua publicação para que os órgãos e entidades competentes se adequem às novas regras.

 

Proteção de acionistas minoritários e voto plural

A Lei nº 14.195/2021 alterou, em diversos aspectos relevantes, o regime jurídico das sociedades anônimas estabelecido na Lei nº 6.404/1976.

A principal alteração nesse sentido consiste na possibilidade de atribuição de voto plural a uma ou mais classes de ações. Esse instituto modifica o conceito até então previsto na Lei nº 6.404/1976 segundo o qual a cada ação com direito a voto corresponde um voto, fazendo com que seja possível que determinada classe de ações ordinárias conceda ao seu titular o direto a mais votos do que o número de ações que possuir. Possibilita-se, assim, que os detentores dessa classe de ações ampliem sua influência na sociedade, sem que tenham que desembolsar recursos para adquirir ou subscrever mais ações.

O voto plural passa a ser admitido nas companhias fechadas ou abertas (sendo que, no caso das companhias abertas, desde que a instituição do voto plural ocorra previamente à negociação de quaisquer ações ou valores mobiliários conversíveis em ações em mercados organizados de valores mobiliários).

De acordo com as novas disposições introduzidas na Lei nº 6.404/1976, o voto plural deverá observar o seguinte: (i) cada ação ordinária não poderá dar ao seu titular direito a mais do que 10 dez votos por ação; (ii) será assegurado direito de retirada aos acionistas dissidentes da deliberação que criar classe de ações com voto plural, salvo se a criação de classe(s) de ações com voto plural já estiver prevista ou autorizada pelo estatuto social; (iii) a criação de ações com voto plural deverá ser aprovada por, pelo menos, metade dos votos conferidos pelas ações com direito a voto e, ainda, pelos acionistas preferencialistas, reunidos em assembleia especial; e (iv) o voto plural terá prazo de vigência inicial de até 7 anos, prorrogável por qualquer prazo, desde que observadas as formalidades para sua criação (excluídos os votos dos titulares de ações com voto plural).

O novo §8º do art. 110-A da Lei nº 6.404/1976 indica o caráter personalíssimo do voto plural, ao prever a perda dessa característica quando: (i) a ação for transferida a terceiros (exceto em casos em que o alienante permanecer indiretamente como único titular das ações, o terceiro também for titular de ações com voto plural ou houver apenas transferência de propriedade fiduciária); ou (ii) o contrato ou acordo de acionistas que envolva titulares de ações com voto plural e sem voto plural dispor sobre o exercício conjunto do voto.

Cabe registrar que as empresas públicas, sociedades de economista mista e outras sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo Poder Público (bem como suas subsidiárias) não poderão adotar voto plural.

Em complementação, foram adotadas regras consideradas protetivas ao acionista minoritário, valendo destacar as seguintes:

(i) ampliação das matérias de competência privativa da assembleia geral, incluindo, no caso das companhias abertas, a deliberação sobre a celebração de transações com partes relacionadas ou alienação ou conferência a de ativos relevantes (i.e., que correspondam a mais de 50% do valor dos ativos totais da companhia constantes do último balanço aprovado);

(ii) ampliação do prazo de antecedência da primeira convocação da assembleia geral das companhias abertas, que passou de 15 dias para 21 dias (durante a vigência da MPV nº 1.040/2021, esse prazo foi de 30 dias);

(iii) alteração da redação de dispositivos sobre quóruns de instalação e aprovação de matérias para contemplar a possibilidade de a companhia possuir classe de ações com voto plural;

(iv) vedação, nas companhias abertas, da acumulação pela mesma pessoa dos cargos de presidente do conselho de administração e diretor presidente ou principal executivo da companhia (podendo a Comissão de Valores Mobiliários – CVM excepcionar as companhias de menor porte dessa vedação); e

(v) foi tornada obrigatória a participação de conselheiros independentes nos conselhos de administração de companhias abertas (até então, apenas companhias listadas em determinados segmentos deveriam observar normas nesse sentido, previstas nos regulamentos dos segmentos em questão);

 

Eleição de diretores domiciliados no exterior

No regime anterior da Lei nº 6.404/1976, apenas membros do conselho de administração poderiam ser domiciliados no exterior. A partir das modificações implementadas no art. 146 da Lei, admite-se que diretores de companhias também sejam domiciliados no exterior, desde que constituam representante residente no Brasil com poderes para, até, no mínimo, 3 anos após o término de seu prazo de gestão, receber citações em ações contra ele propostas com base na legislação societária e citações e intimações em processos administrativos instaurados pela CVM.

 

Facilitação do Comércio Exterior

No que diz respeito às licenças, autorizações e demais exigências administrativas para importações ou exportações, a Lei nº 14.195/2021 prevê a criação de “guichê único eletrônico” por meio do qual importadores, exportadores e demais agentes do comércio exterior possam encaminhar documentos, dados ou informações às entidades da administração pública, com relação às importações ou exportações de bens. Nesse sentido, fica vedado a tais órgãos ou entidades exigir o preenchimento de outros formulários para além do “guichê único eletrônico”, salvo exceções legais.

Adicionalmente, a Lei nº 14.195/2021 prevê que somente será admitida a imposição de licenças ou de autorizações como requisito para importações ou para exportações em razão de características das mercadorias quando tais restrições estiverem previstas em lei ou em ato normativo editado por órgão ou por entidade competente da administração pública federal.

Ainda no tocante ao comércio exterior, foram implementadas alterações na Lei nº 12.546/2011, valendo destacar a modernização do sistema de verificação de regras de origem não preferenciais de produtos.

 

Sistema Integrado de Recuperação de Ativos

A partir da edição da Lei nº 14.195/2021, fica o Poder Público federal autorizado a instituir, sob a governança da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – PGFN, o Sistema Integrado de Recuperação de Ativos – SIRA, constituído de um conjunto de instrumentos, mecanismos e iniciativas destinados a facilitar a identificação e localização de bens e de devedores, bem como a constrição e alienação de ativos.

O SIRA tem por objetivo, dentre outros, conferir efetividade às decisões judiciais que visem à satisfação das obrigações de qualquer natureza, em âmbito nacional, inclusive reunindo dados cadastrais, relacionamentos e bases patrimoniais de pessoas para fins de recuperação de créditos públicos ou privados. Busca-se, assim, melhorar a efetividade e eficiência das ações de recuperação de ativos.

Para sua implementação, o SIRA dependerá de regulamentação do Poder Executivo federal. Também por meio deste, poderá ser instituído o Cadastro Fiscal Positivo, a fim de otimizar as informações relativas aos contribuintes tributários e solução de eventuais conflitos. Após sua instituição, o Cadastro Fiscal Positivo deverá ser regulamentado pelo Procurador-Geral da Fazenda Nacional.

Ainda no tocante a esse particular da nova Lei, foram modernizadas e tornadas mais objetivas as regras sobre a inidoneidade de empresas. Com efeito, foram realizadas modificações na Lei nº 9.430/1996 para fins de especificar as hipóteses de suspensão, declaração de inaptidão e baixa da inscrição no CNPJ.

 

Conselhos Profissionais e Tradutores e Intérpretes Comerciais

Foi alterada a Lei nº 12.514/2011 no tocante aos conselhos profissionais. A principal mudança consiste em vedar que o inadimplemento ou o atraso no pagamento de anuidades devidas pelos profissionais aos respectivos conselhos possa ensejar a suspensão do registro ou impedimento de exercício da profissão.

Ao mesmo tempo, a Lei nº 14.195/2021 moderniza as atividades exercidas pelos Tradutores Públicos e Intérpretes Comerciais, até então regidas pelo defasado Decreto nº 13.609/1943. Nesse sentido, passou-se a se admitir que tais profissionais atuem em todo o país e possam realizar seu trabalho em meio eletrônico.

 

Extinção da pessoa jurídica “EIRELI”

A Lei nº 14.195/2021 revogou as disposições do Código Civil que tratavam da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI, extinguindo essa modalidade de pessoa jurídica pessoa jurídica.

Pode-se afirmar que a existência das EIRELIs perdeu a razão de ser após a alteração legislativa que passou a permitir que sociedades limitadas possam ser constituídas e existir com apenas um sócio.

Ainda nos termos da Lei, as EIRELI existentes na data de sua entrada em vigor serão transformadas em sociedades limitadas unipessoais, independentemente de qualquer alteração de seu ato constitutivo.

 

Alterações ao Código Civil

Foi introduzido o art. 206-A no Código Civil brasileiro, que dispõe sobre a chamada “prescrição intercorrente civil”, a qual observará o mesmo prazo de prescrição da pretensão, observadas as causas de impedimento, suspensão e interrupção da prescrição previstas no Código.

Além disso, foram inseridos parágrafos ao art. 1142 do Código Civil, que conceitua o estabelecimento empresarial. Segundo as novas disposições, o estabelecimento não se confunde com o local onde a atividade empresarial é exercida, que poderá ser físico ou virtual. Nas hipóteses de local virtual de exercício de atividades, o endereço informado para fins de registro do empresário poderá ser o do próprio empresário individual; ou de um dos sócios da sociedade.

 

Alterações ao Código de Processo Civil

As disposições sobre citação constantes do Código de Processo Civil brasileiro – CPC foram modificadas pela Lei nº 14.195/2021. Nesse sentido, foi detalhada a possibilidade de citação do réu por meio eletrônico, que passou a ser considerada como a forma preferencial de citação. Além disso, o CPC passou a dispor que a citação deve ser efetivada em até 45 dias a partir da propositura da ação.

Nesse mesmo sentido, as novas regras contemplam penalidades aplicáveis ao réu que deixar de confirmar recebimento de citação enviada por meio eletrônico, inclusive multa de até 5% do valor da causa.

 

Vetos

Dentre os vetos da Presidência da República à Lei nº 14.195/2021, os que podem ser considerados mais relevantes são os seguintes:

(i) ampliação das competências do DREI: foram vetados dispositivos que atribuiriam ao Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração – DREI a finalidade de especificar os sistemas de informação, propor as normas necessárias e executar os treinamentos relacionados à integração para o registro e a legalização de empresários e sociedades. No entendimento da Presidência da República, tais atribuições são hoje conjuntamente exercidas por diversas entidades, tais como as Juntas Comerciais e a Secretaria da Receita Federal do Brasil;

(ii) extinção das sociedades simples: a redação da Lei nº 14.195/2021 submetida a sanção presidencial previa a proibição da possibilidade de constituição de sociedades simples, revogando as disposições do Código Civil aplicáveis a esse tipo societário. Justificou-se o veto à extinção das sociedades simples à exposição que causaria a parcela significativa da população economicamente ativa, especialmente em relação aos impactos tributários que seriam gerados; e

(iii) alteração da nomenclatura da profissão de agentes autônomos de investimentos: foi vetada a pretensão de alterar a nomenclatura da profissão de “agentes autônomos de investimentos” para “assessores de investimentos”, sob a justificativa, dentre outras, de que a expressão atual é de amplo conhecimento do mercado.

A Lei nº 14.195/2021 entrou em vigor na data de sua publicação, sendo necessário observar as regras específicas para início de produção de efeitos de cada um de seus dispositivos.

Maiores informações, bem como a íntegra da Lei nº 14.195/2021, podem ser encontradas no site da Presidência da República (www.planalto.gov.br).

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