Newsletter nº 78 | Março 2021

Nesta edição:

CVM divulga novo Ofício Circular com orientações a serem observadas em ofertas públicas

Em 01.03.2021 a Superintendência de Registro de Valores Mobiliários – SRE da Comissão de Valores Mobiliários – CVM divulgou o Ofício Circular nº 01/2021 – CVM/SRE (“Ofício nº SRE 01/2021”), que contém orientações sobre as melhores formas de cumprimento das normas que regulam as ofertas públicas de valores mobiliários, contemplando interpretações e entendimentos da CVM sobre determinados dispositivos normativos.

O objetivo da SRE com a divulgação do Ofício SRE nº 01/2021 é de minimizar possíveis desvios e, consequentemente, reduzir o número de exigências formuladas pela área técnica em procedimentos relacionados a ofertas públicas de valores mobiliários.

Uma das principais mudanças do Ofício SRE nº 01/2021 em relação aos ofícios circulares anteriores sobre o mesmo tema diz respeito à inclusão de determinadas recomendações a intermediários, emissores e ofertantes na condução e ofertas. Nesse sentido, a SRE recomenda a formalização e adoção dos seguintes procedimentos pelo emissor, dentre outros:

(i) providenciar opinião legal sobre a estrutura do valor mobiliário ofertado, elaborado por profissional contratado para assessorar juridicamente a estruturação da operação;

(ii) fornecer laudos de avaliação e perícia técnica sobre imóveis, safras ou outros ativos e direitos vinculados à operação, elaborado por profissional qualificado e especializado na atividade;

(iii) assegurar a existência e a validade das garantias vinculadas à oferta, bem como a sua devida constituição e formalização;

(iv) analisar e divulgar eventuais conflitos de interesse aos investidores para tomada de decisão de investimento; e

(v) avaliar: (a) a consistência de documentos entregues pelo emissor do valor mobiliário; (b) os ativos e/ou direitos utilizados como lastros e garantias da operação, previamente à emissão; e (c) os aspectos financeiros da operação no que se refere aos seus riscos, possibilidade de fraude e eventuais restrições de ativos ou direitos utilizados como lastros e/ou garantias na oferta.

Além da inclusão das recomendações, foi consignada, no Ofício SRE nº 01/2021, a possibilidade de os documentos firmados por pessoas naturais ou jurídicas e apresentados no âmbito de processos de registro de oferta pública de distribuição serem assinados eletronicamente.

De acordo com o documento, são aceitas atualmente pela autarquia as assinaturas realizadas com a utilização de certificado digital fornecido por autoridade certificadora que esteja de acordo com as regras da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP Brasil. No entanto, conforme indicado no próprio Ofício SRE nº 01/2021, o referido assunto ainda está sendo revisto pela CVM, e quaisquer alterações no entendimento disposto no Ofício serão objeto de outras manifestações da autarquia.

O Ofício SRE nº 01/2021 detalhou, ainda, alguns aspectos dos ritos e procedimentos gerais referentes à realização de ofertas públicas:

(i) atos societários: admite-se que os atos societários devidamente formalizados sejam apresentados à SRE até a data de divulgação do respectivo Aviso ao Mercado, no caso de ato deliberativo da oferta, ou do Anúncio de Início, no caso de ato deliberativo do preço;

(ii) alterações voluntárias: devem ser implementadas em casos excepcionais, diante da ocorrência de fatos imprevisíveis quando da submissão do pleito de registro, a fim de evitar exigências adicionais;

(iii) uso de redações alternativas: o uso de redação entre colchetes ou similar não permite a adequada análise da informação e poderá acarretar exigências complementares (razão pela qual é solicitado que não seja utilizada essa forma de linguagem nos documentos);

(iv) aviso por e-mail acerca do protocolo dos documentos: a SRE solicita que o protocolo de documentos em atendimento a exigências seja também informado por e-mail; e

(v) nomeação dos arquivos protocolados: os documentos protocolados devem ser nomeados de forma a facilitar a identificação do seu conteúdo. Nos termos do Ofício nº 01/2021: “Nos nomes dos arquivos encaminhados em meio eletrônico deve constar obrigatoriamente o número do anexo que consta na petição e o nome do anexo, não podendo ultrapassar 40 caracteres (prospecto, pedido de reserva, contrato de distribuição, resposta ao Ofício xxx etc.)”.

A SRE também esclareceu que, em ofertas direcionadas a investidores em geral (incluindo investidores qualificados e não-qualificados), para assegurar um tratamento justo e equitativo a todos investidores, seja estabelecido um limite máximo para reserva por investidor equivalente ao valor mínimo necessário de investimentos financeiros estabelecido para a caracterização de investidor qualificado (atualmente R$ 1 milhão), ou seja garantida a utilização deste limite como base no caso de necessidade de rateio.

Maiores informações, bem como o texto integral do Ofício SRE nº 01/2021, podem ser encontrados no site da CVM (https://www.gov.br/cvm).

CVM divulga Ofício Circular anual para companhias

Em 26.02.2021, a Superintendência de Relações com Empresas – SEP da Comissão de Valores Mobiliários – CVM divulgou o Ofício Circular nº 01/2021/CVM/SEP (“Ofício SEP nº 01/2021”), que consolida as orientações da SEP sobre os procedimentos a serem observados na prestação de informações periódicas e eventuais pelas companhias abertas, estrangeiras e incentivadas, além de contemplar a interpretação da SEP e do Colegiado da CVM sobre a legislação e regulamentação aplicável às práticas reguladas pela autarquia.

O objetivo da SEP com a elaboração do documento é fomentar a divulgação das informações societárias de forma coerente com as melhores práticas de governança corporativa, visando a transparência e a equidade no relacionamento das companhias com os investidores e com o mercado. Ao mesmo tempo, busca-se minimizar eventuais desvios e, consequentemente, reduzir a necessidade de formulação de exigências e a aplicação de multas cominatórias ou outras penalidades aos participantes do mercado.

Destacam-se as seguintes alterações ou inclusões introduzidas pelo Ofício SEP nº 01/2021:

(i) Brazilian Depositary Receipts – BDR: foi incluído subcapítulo específico destinado aos emissores de BDRs, dispondo sobre os requisitos para as companhias emissoras estrangeiras que desejam patrocinar programa de BDR. Atualmente, tais emissores devem obter registro na categoria A ou B, a depender dos valores mobiliários que servem de lastro às BDR, na forma prevista no Anexo 32-I da Instrução CVM nº 480/2009;

(ii) Assembleias Gerais Digitais: o Ofício SEP nº 01/2021 reflete as alterações promovidas pela Instrução CVM nº 622/2020 à Instrução CVM nº 481/2009, para contemplar orientações às companhias que realizem suas Assembleias Gerais de forma inteiramente digital (para mais informações sobre esse tema, vide a Newsletter Moreira Menezes, Martins Advogados nº 67 de abril/2020);

(iii) comunicação acerca da realização de lives: o Ofício SEP nº 01/2021 consolidou as disposições do Ofício Circular nº 7/2020/CVM/SEP referentes à divulgação de transmissões ao vivo por mídias sociais com a presença de representantes de companhia aberta (lives). Nesse sentido, a SEP recomenda que seja divulgado Comunicado ao Mercado informando a data, horário, forma de acesso e pauta temática dos referidos eventos virtuais (para mais informações sobre esse tema, vide a Newsletter Moreira Menezes, Martins Advogados nº 72 de setembro/2020);

(iv) informações adicionais em Comunicados ao Mercado referentes a aumentos ou reduções de participação relevante: o Ofício SEP nº 01/2021 indica que, caso o Diretor de Relações com Investidores da companhia aberta entenda que a declaração de aquisição ou alienação de participação societária relevante apresentada por investidor não reflete a realidade, deve incluir ressalva nesse sentido no Comunicado ao Mercado a ser divulgado nos termos do art. 12 da Instrução CVM nº 358/2002;

(v) proteção de dados: foi incluída no Ofício SEP nº 01/2021 seção específica sobre o tratamento de dados pessoais realizado pela CVM, em adequação ao disposto na Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados), fazendo referência, ainda, à Política de Segurança da Informação e Comunicações emitida pela CVM em 14.10.2015; e

(vi) Formulário de Referência: foram incluídas novas diretrizes para a divulgação do Formulário de Referência, indicando que cada companhia deve: (a) apresentar os métodos e pressupostos utilizados na análise de sensibilidade de suas demonstrações financeiras dentre os riscos de mercado (item 4.2 do formulário); (b) informar se houve alterações significativas nos principais riscos ou na política de gerenciamento de riscos da companhia, comentando, ainda, eventuais expectativas de redução ou aumento na exposição do emissor a tais riscos (item 5.5 do formulário); e (c) alterar o organograma disponibilizado no item 15.4 sempre que se verificarem alterações nos itens 15.1 ou 15.2 do formulário de referência.

Maiores informações, bem como a íntegra do Ofício SEP nº 01/2021, podem ser encontrados no site da CVM (https://www.gov.br/cvm).

CVM coloca em discussão norma para alterar a regulamentação das ofertas públicas de distribuição

Em 10.03.2021 a Comissão de Valores Mobiliários – CVM submeteu à audiência pública, por meio do Edital de Audiência Pública SDM nº 02/2021 (“Edital de Audiência Pública”) três minutas de Resoluções relacionadas à regulamentação das ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários (“Minutas”).

A primeira e principal minuta (“Minuta A”), tem por objetivo modernizar, harmonizar e consolidar a regulamentação das ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários, que atualmente são regidas principalmente pelas Instruções CVM nº 400/2003 e nº 476/2009. A Minuta A, desse modo, estabelece um novo arcabouço regulatório, caracterizado por:

(i) previsão de ritos de registro de oferta com exigências de informações moduladas em função do investidor a que a oferta se destina, da categoria do emissor, do tipo de ativo ofertado, da habitualidade com que o emissor acessa o mercado de capitais e da eventual análise prévia por entidade autorreguladora; 

(ii) redução da insegurança jurídica relacionada à caracterização de determinada oferta como sendo “pública”, conferindo maior previsibilidade e segurança jurídica a respeito dos atos que podem ser realizados sem submeter a oferta à regulamentação, conferindo maior agilidade às captações de recursos;

(iii) racionalização, redução e eliminação de documentos obrigatórios e de requisitos associados ao processo de registro da oferta pública de distribuição, estabelecendo uma documentação (lâmina da oferta) mais sucinta, objetiva e clara; e

(iv) previsão de conceitos e regras relativos aos atos de comunicação e ao período de silêncio, adaptando-os às recentes inovações e amplas mudanças tecnológicas nas formas de comunicação.

Nesse sentido, a Minuta A contempla dois ritos de registro de ofertas: (i) o ordinário, que demanda análise prévia pela CVM para obtenção do registro; e (ii) o automático, que não demanda análise prévia pela Autarquia. Embora esses ritos também existam no regime instituído pela Instrução CVM nº 400/2003, a Minuta A amplia substancialmente as hipóteses em que o rito automático pode ser utilizado, com intuito de tornar os processos de requerimento de registro de oferta pública mais ágeis.

Nesse sentido, o rito automático é aplicável a todas as ofertas destinadas a investidores profissionais e qualificados, excluindo-se as ofertas iniciais de ações, as de bônus de subscrição, debêntures conversíveis ou permutáveis em ações e de certificados de depósito sobre estes valores mobiliários.

Nesse contexto, a Minuta A se propõe a revogar a Instrução CVM nº 476/2009, norma que atualmente disciplina as ofertas públicas com esforços restritos de distribuição (destinadas a investidores profissionais e qualificados). Sobre esse tema, a Minuta A pretende excluir os limites máximos de investidores procurados (75) e que podem efetivamente adquirir os valores mobiliários (50) em uma oferta pública com esforços restritos.

O rito ordinário passará a ser reservado às ofertas de valores mobiliários em geral, direcionadas a investidores que não sejam considerados profissionais ou qualificados, bem como a casos de ofertas públicas iniciais de ações, bônus de subscrição, debêntures conversíveis ou permutáveis em ações e de certificados de depósito sobre estes valores mobiliários (ainda que destinadas a investidores profissionais ou qualificados). 

Excluem-se da necessidade de seguir o rito ordinário as seguintes hipóteses: (i) ofertas iniciais de ações de emissores em fase operacional cujo requerimento de registro tenha sido previamente analisado por entidade autorreguladora autorizada pela CVM; e (ii) ofertas subsequentes de ações e ofertas em geral de outros valores mobiliários por parte de emissores que tenham relacionamento habitual com o mercado de capitais e, portanto, sejam presumivelmente mais familiares aos investidores. 

Com relação aos documentos que acompanham a oferta, a Minuta A buscou adequar o regime informacional a ser observado em relação aos destinatários da oferta, além de simplificar o conjunto de informações requeridas, a fim de facilitar sua análise, especialmente por investidores pessoas naturais.

Assim, a Minuta A prevê que, para as ofertas destinadas exclusivamente a investidores profissionais, será exigido apenas o preenchimento eletrônico no sistema da CVM de formulário com dados objetivos e limitados, cujo conteúdo será semelhante ao exigido atualmente no contexto das ofertas sob o regime da Instrução CVM nº 476/2009.

Para as ofertas destinadas aos demais investidores, será necessário a elaboração dos seguintes documentos:

(i) Lâmina da Oferta: trata-se de documento padronizado que contém as principais informações sobre a oferta. Segundo a CVM, o referido documento é fundamental para (a) garantir a comparabilidade entre ofertas; (b) incentivar a educação dos investidores; e (c) fomentar o possível desenvolvimento de programas, sistemas e aplicativos que listem as ofertas em andamento de modo amplo e transparente; 

(ii) Prospecto da Oferta: a Minuta A propõe a criação de quatro modelos específicos de prospecto, aplicáveis conforme o valor mobiliário ofertado. Ainda, estabeleceu orientações mais diretas para o preenchimento da descrição de fatores de risco, inclusive a aceitação de que sejam preenchidos em escala de “baixo, médio ou alto”. 

A Minuta A reflete a preocupação da CVM com a venda de valores mobiliários – logo após a sua aquisição primária – para investidores que não os adquiriram no momento da oferta. Desse modo, estabelece, em seu art. 82, restrições à negociação de valores mobiliários em mercados regulamentados. Destacam-se as seguintes hipóteses de restrição:

(i) como regra geral, estabelece um período mínimo de 6 meses para que possa haver a ampliação da negociação de valores mobiliários em mercados regulamentados para investidores diferentes daqueles que compuseram inicialmente o público destinatário da oferta; e

(ii) no caso de debêntures simples, cotas de fundos de investimento fechados e títulos de securitização, os valores mobiliários ofertados a investidores profissionais demandam um período de 6 meses para serem destinados a investidores qualificados e outros 6 meses adicionais para serem ofertados ao público em geral. 

No que diz respeito ao procedimento de precificação de ofertas (bookbuilding), a principal inovação que a Minuta A pretende introduzir consiste no direcionamento de tal processo exclusivamente a investidores institucionais, notadamente, instituições financeiras, companhias seguradoras, sociedades de capitalização, entidades abertas e fechadas de previdência complementar, fundos patrimoniais e clubes e fundos de investimento. Assim, ficam afastadas as pessoas naturais e outras pessoas jurídicas, ainda que eventualmente se enquadrem nos critérios que definem investidores qualificados e profissionais. 

Sobre o tratamento do risco de diluição da participação dos acionistas da emissora, a Minuta A estabelece que em todas as ofertas públicas primárias nas quais esteja prevista restrição de público-alvo e que possam acarretar diluição dos atuais detentores do valor mobiliário objeto da oferta, seja dada prioridade a tais investidores, independentemente de eventual restrição ao público alvo da oferta. 

A segunda minuta (“Minuta B”), por sua vez, tem como principal objeto disciplinar o registro dos intermediários de ofertas públicas, de modo a deslocar parte do esforço de supervisão da autarquia para os prestadores do serviço de intermediação. A CVM entende que o registro desses intermediários facilitará a condução da supervisão baseada em risco da atividade de intermediação de ofertas públicas e conferir maior segurança quanto à existência de uma estrutura capaz de assegurar padrões mínimos de qualidade para a condução das atividades relacionadas a uma oferta.

A Minuta B prevê a necessidade de registro apenas de intermediários líderes e coordenadores de ofertas públicas e ressalta que tais prestadores de serviço estão submetidos a regras de condutas que são essenciais para o correto funcionamento do mercado. Por essa razão, os intermediários sujeitos ao registro devem assegurar a veracidade de informações prestadas pelos ofertantes, divulgar eventuais conflitos de interesse, zelar pela adequação da oferta e de sua linguagem ao nível de sofisticação e perfil de risco dos destinatários, preservar a documentação necessária e suspender a oferta em curso, dando ciência à Autarquia caso encontre irregularidades. 

Por fim, a terceira minuta (“Minuta C”) contempla ajustes formais e pontuais à regulamentação já existente. No caso da Instrução CVM nº 480/2009, foram propostas alterações para prever a dispensa de registro para emissores de títulos representativos de dívida ofertados a investidores profissionais por meio de oferta realizada pelo rito automático. Além disso, a Minuta C propõe a incorporação, pela referida Instrução, do conceito de emissor frequente de renda fixa. 

No que tange à Instrução CVM nº 566/2015, a Minuta C propõe que sejam revogados os artigos que tratam do registro automático de ofertas públicas de notas promissórias e da possibilidade de dispensa de contratação de instituição intermediárias em tais ofertas. 

Já com relação à Instrução CVM nº 607/2019, a Minuta C propõe que sejam revogados os artigos que tratam de hipóteses de infrações sujeitas ao rito simplificado, especificamente relativas ao descumprimento (i) do prazo de envio, pela instituição líder da oferta, da documentação relacionada a ofertas públicas com esforços restritos; e (ii) do prazo mínimo de quatro meses para a realização de nova oferta pública, após uma oferta pública anterior de valores mobiliários de mesma espécie.

Sugestões e comentários às Minutas deverão ser encaminhados, por escrito, até o dia 08.07.2021 à Superintendência de Desenvolvimento de Mercado – SDM, preferencialmente para o endereço de e-mail “audpublicaSDM0221@cvm.gov.br”.

Maiores informações, bem como o texto integral das Minutas, podem ser encontrados no site da CVM (https://www.gov.br/cvm).

CVM publica nova resolução sobre auditores independentes

Em 25.02.2021 a Comissão de Valores Mobiliários – CVM publicou a Resolução CVM nº 23/2021, que dispõe sobre o registro e o exercício da atividade de auditoria independente no âmbito do mercado de valores mobiliários, bem como define os deveres e as responsabilidades dos administradores das entidades auditadas no relacionamento com os auditores independentes (“Resolução”). 

A principal mudança introduzida pela Resolução é a eliminação de duas exigências anteriormente aplicáveis aos auditores independentes constituídos como pessoas jurídicas (“AIPJ”). Em primeiro lugar, foi retirado do rol de exigências do art. 4º da Resolução a necessidade de tais auditores se organizem sob o tipo societário de sociedade simples pura. Logo, passa-se a ser admitido que sociedades empresárias atuem como AIPJ.

Nesse mesmo contexto, os AIPJ não são mais obrigados a prever, em seus atos constitutivos, que a sociedade responsabilizar-se-á pela reparação de dano que causar a terceiros, por culpa ou dolo, no exercício da atividade profissional, e que os sócios responderão de forma solidária e ilimitada pelas obrigações sociais, depois de esgotados os bens da sociedade.

Foi promovida mudança quanto aos documentos que devem ser disponibilizados na rede mundial de computadores pelos auditores independentes até o último dia útil do mês de abril. De acordo com o novo Anexo D da Resolução, os AIPJ deverão disponibilizar as suas demonstrações contábeis anualmente. Na visão da CVM, esse dado pode contribuir para uma otimização de suas atividades de supervisão.

Cabe registrar que a minuta debatida em audiência pública previa que os AIPJ que optassem por tipos societários que limitem a responsabilidade de seus sócios, deveriam indicar eventuais medidas adicionais adotadas com o intuito de mitigar os riscos de prejuízos a terceiros decorrentes de atos praticados com culpa ou dolo na prestação do serviço de auditoria. Contudo, tal disposição – muito criticada na audiência pública que antecedeu a edição da Resolução – não foi mantida na versão final.

A Resolução revogou as Instruções CVM nºs 308/1999, 591/2017 e 611/2019 e entrará em vigor em 01.04.2021.

Maiores informações, bem como o texto completo da Resolução, podem ser encontrados no site da CVM (https://www.gov.br/cvm).

CVM edita resoluções aplicáveis aos prestadores de serviço no âmbito do mercado de valores mobiliários

Em 25.02.2021 a Comissão de Valores Mobiliários – CVM publicou cinco novas resoluções, sendo a maior parte delas decorrente do processo de revisão e consolidação dos atos normativos da Autarquia que vem sendo realizado em observância ao Decreto Federal nº 10.139/2019 (“Resoluções”). As Resoluções editadas pela CVM são as seguintes:

(i) Resolução CVM nº 19/2021: dispõe sobre a atividade de consultoria de valores mobiliários e revoga as Instruções CVM nºs 592/2017 e 619/2020 e a Deliberação CVM nº 783/2017;

(ii) Resolução CVM nº 20/2021: dispõe sobre a atividade de análise de valores mobiliários e revoga a Instrução CVM nº 598/2018 e a Deliberação CVM nº 633/2010;

(iii) Resolução CVM nº 21/2021: dispõe sobre a atividade de administração profissional de carteira de valores mobiliários e revoga as Instruções CVM nºs 426/2005, 557/2015, 558/2015 e 597/2018 e as Deliberações CVM nºs 51/1986, 740/2015 e 764/2017;

(iv) Resolução CVM nº 22/2021: dispõe sobre a administração das carteiras de valores mobiliários dos Planos de Poupança e Investimento (PAIT) e revoga as Instruções CVM nºs 61/1987 e 87/1988; e

(v) Resolução CVM nº 23/2021: dispõe sobre o registro e o exercício da atividade de auditoria independente, em substituição à Instrução CVM nº 308/1999.

Apenas a Resolução CVM nº 23/2021 foi submetida à Audiência Pública, por ser a única que altera o regimento da atividade de auditoria no mercado de valores mobiliários. As demais não precisaram ser submetidas ao referido processo, tendo em vista que: (i) não acarretaram mudanças de mérito nas obrigações dos agentes regulados; e (ii) promoveram alterações decorrentes de norma superior, em benefício dos requerentes de novos pedidos de autorização junto à CVM.

A CVM indicou também que as normas editadas pela Autarquia estão em processo de adequação ao Decreto Federal nº 10.178/2019, de modo que algumas das Resoluções acima elencadas já contemplam ajustes nos prazos e procedimentos para obtenção da autorização para exercício de atividades reguladas.

Nesse sentido, o art. 6º da Resolução CVM nº 19/2021 estabelece que a autorização para a realização da atividade de consultoria será automaticamente concedida pela CVM mediante envio dos documentos e informações indicados no art. 5º da mesma Resolução. Já a autorização para o exercício profissional da atividade de administração de carteira de valores mobiliários, considerada atividade de alto risco, deve ser apreciada por parte da CVM em até 60 dias corridos, nos termos do art. 7º da Resolução CVM nº 21/2021 (prazo que é significativamente inferior do que os 105 dias úteis antes previstos na Instrução CVM nº 558/2015).

As Resoluções entram em vigor em 01.04.2021, à exceção da Resolução CVM nº 21/2021, que entrará em vigor em 01.07.2021.

Maiores informações, bem como o texto completo das Resoluções, podem ser encontrados no site da CVM (https://www.gov.br/cvm).

Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional reabre Programa de Retomada Fiscal

Em 01.03.2021 a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – PGFN publicou a Portaria PGFN n° 2.381/2021 (“Portaria”), que reabre os prazos para adesão ao Programa de Retomada Fiscal.

O Programa de Retomada Fiscal foi instituído pela Portaria PGFN nº 21.562/2020 e consiste no conjunto de medidas com o objetivo de estimular a conformidade fiscal relativa aos débitos inscritos em dívida ativa da União, permitindo a retomada da atividade produtiva após os efeitos da pandemia de Covid-19.

Por meio da Portaria, foram reabertos os prazos para adesão ao Programa de Retomada Fiscal, permitindo que todos os débitos inscritos em dívida ativa da União até o dia 31.08.2021 sejam negociados nos termos introduzidos pela norma.

A Portaria prevê que o Programa de Retomada Fiscal poderá envolver:

(i) a concessão de regularidade fiscal, com a expedição de certidão negativa de débitos (CND) ou positiva com efeito de negativa (CP-EN);

(ii) a suspensão do registro no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal (CADIN) relativo aos débitos administrados pela PGFN;

(iii) a suspensão da apresentação a protesto de Certidões de Dívida Ativa;

(iv) a autorização para sustação do protesto de Certidão de Dívida Ativa já efetivado;

(v) a suspensão das execuções fiscais e dos respectivos pedidos de bloqueio judicial de contas bancárias e de execução provisória de garantias, inclusive dos leilões já designados;

(vi) a suspensão dos procedimentos de reconhecimento de responsabilidade previstos na Portaria PGFN nº 948/2017; e

(vii) a suspensão dos demais atos de cobrança administrativa ou judicial.

No que diz respeito à repactuação das negociações já concluídas para inclusão de novos débitos inscritos em dívida ativa da União, a Portaria dispõe que os contribuintes que já possuem acordos de transação em vigor poderão solicitar, no período entre 19.04.2021 e 30.09.2021, a inclusão de outros débitos inscritos em dívida ativa da União, por meio do portal “Regularize” da PGFN. Nesses casos, serão observados os mesmos requisitos e condições da negociação original.

Adicionalmente, a Portaria prevê que o prazo para adesão às seguintes modalidades de transação teve início no dia 15.03.2021 e permanecerá em aberto até 30.09.2021:

(i) transação no contencioso tributário de pequeno valor (Edital PGFN nº 16/2020); 

(ii) transação extraordinária na cobrança de dívida ativa da União (Portaria PGFN nº 9.924/2020); 

(iii) transação excepcional na cobrança de dívida ativa da União (Portaria PGFN nº 14.402/020); 

(iv) transação excepcional de débitos do Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte optantes pelo Simples Nacional (PGFN nº 18.731/2020); e

(v) transação excepcional de débitos originários de operações de crédito rural e de dívidas contraídas no âmbito do Fundo de Terras e da Reforma Agrária e do Acordo de Empréstimo 4.147-BR, inscritos em dívida ativa da União (Portaria PGFN nº 21.561/2020). 

Além disso, foi esclarecido por meio da Portaria que a adesão às modalidades de negociação previstas no Programa de Retomada Fiscal implica a manutenção automática dos gravames decorrentes de arrolamento de bens, de medida cautelar fiscal e das garantias prestadas administrativamente ou nas ações de execução fiscal ou em qualquer outra ação judicial, sem prejuízo da potencial celebração de Negócio Jurídico Processual resultando na aceitação, avaliação, substituição e liberação de garantias.

Maiores informações, bem como o texto integral da Portaria, podem ser encontrados no site da PGFN (https://www.gov.br/pgfn).

STF decide que Estados não podem fixar tributação de doação e herança originadas no exterior

Em 26.02.2021 o Supremo Tribunal Federal – STF proferiu decisão no sentido de que os Estados e o Distrito Federal não possuem competência para instituir a cobrança do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCMD sobre doações e heranças realizadas no exterior (Recurso Extraordinário nº 851.108). 

Segundo o art. 155, § 1º, III, da Constituição da República, o ITCMD deve ser regulamentado por Lei Complementar (i) se o doador tiver domicilio ou residência no exterior; ou (ii) se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior. Contudo, até a presente data, a referida Lei Complementar não foi editada.

Em seu voto, o Ministro Dias Toffoli, relator do processo, consignou que os Estados não podem instituir cobrança quando o doador tiver domicílio ou residência no exterior ou se a pessoa falecida possuir bens, tiver sido residente ou domiciliada ou tiver seu inventário processado no exterior, mesmo diante da ausência da Lei Complementar mencionada na Constituição da República.

Para o Plenário do STF, por maioria de votos, Estados não podem se valer da competência concorrente para legislar na pendência de edição de Lei Complementar federal, visto esta ser o diploma necessário para a fixação da competência dos Estados sobre o tema. 

Nesse cenário, foi fixada a seguinte tese de repercussão geral pelo STF: “É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”.

Maiores informações, bem como o inteiro teor do acórdão, podem ser encontradas no site do STF (http://portal.stf.jus.br).

Publicada Lei que estabelece a autonomia do Banco Central do Brasil

Em 25.02.2021 foi publicada a Lei Complementar nº 179/2021 que define os objetivos do Banco Central do Brasil – BACEN e dispõe sobre a nomeação e exoneração de seu Presidente e seus Diretores (“Lei”).

A Lei prevê como objetivo fundamental do BACEN assegurar a estabilidade de preços, zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego.

Além disso, a Lei dispõe que o BACEN terá competência privativa para conduzir a política monetária necessária para o cumprimento das metas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional – CMN.

Nos termos da Lei, a Diretoria Colegiada do BACEN será composta por 9 membros, sendo um deles o seu o seu Presidente. Todos os membros da Diretoria serão nomeados pelo Presidente da República, após aprovação do Senado Federal, para cumprimento do mandato de 4 anos. O mandato do Presidente do BACEN terá início no dia 1º de janeiro do terceiro ano de mandato do Presidente da República. Já os mandatos dos Diretores deverão respeitar a seguinte escala:

(i) 2 Diretores terão mandatos com início no dia 1º de março do primeiro ano de mandato do Presidente da República;

(ii) 2 Diretores terão mandatos com início no dia 1º de janeiro do segundo ano de mandato do Presidente da República;

(iii) 2 Diretores terão mandatos com início no dia 1º de janeiro do terceiro ano de mandato do Presidente da República; e

(iv) 2 Diretores terão mandatos com início no dia 1º de janeiro do quarto ano de mandato do Presidente da República.

Sobre esse particular, a Lei destaca que a recondução do Presidente e dos Diretores do BACEN aos seus respectivos cargos apenas poderá ocorrer uma única vez, por determinação do Presidente da República, desde que observadas as datas para início dos mandatos mencionadas acima.

A Lei ainda enumera, em seu art. 5º, hipóteses específicas em que o Presidente da República pode determinar a exoneração do Presidente ou dos Diretores: (i) a pedido do próprio nomeado ao cargo; (ii) em caso de acometimento de enfermidade que o incapacite para o exercício do cargo; (iii) na hipótese de condenação, transitada em julgado, pela prática de atos de improbidade administrativa ou demais crimes que prevejam como penalidade a proibição de acesso a cargos públicos; e (iv) quando apresentado, de forma recorrente e comprovada, desempenho insuficiente para o alcance dos objetivos do BACEN (cabendo ao CMN, nessa hipótese, a submissão da proposta de exoneração).

Adicionalmente, a Lei proíbe que, após o término do mandato, o Presidente e os Diretores do BACEN participem do controle societário ou exerçam qualquer atividade profissional direta ou indiretamente (com ou sem vínculo empregatício) junto a instituições do Sistema Financeiro Nacional. O “período de vedação” deverá perdurar pelo prazo de 6 meses a contar do término do mandato, exoneração a pedido ou demissão justificada, sendo assegurado o recebimento de remuneração compensatória durante esse período.

Maiores informações, bem como o texto integral da Lei, podem ser encontrados no site do Banco Central do Brasil (https://www.bcb.gov.br).

Jurisprudência

>> Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL. DIREITO SOCIETÁRIO. SOCIEDADE ANÔNIMA FECHADA. DELIBERAÇÕES ASSEMBLEARES. ANULAÇÃO. ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA. APROVAÇÃO DAS CONTAS. SÓCIO ADMINISTRADOR. IMPOSSIBILIDADE. MATÉRIA. ORDEM DO DIA. AUSÊNCIA. VOTAÇÃO. SÚMULA 283/STF. DIVIDENDOS OBRIGATÓRIOS. NÃO DISTRIBUIÇÃO. SOCIEDADE. SITUAÇÃO FINANCEIRA. INCOMPATIBILIDADE. ÔNUS DA PROVA. ACIONISTA PREJUDICADO.

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

2. Cinge-se a controvérsia a definir se (i) incide na hipótese a exceção do artigo 134, § 6º, da Lei nº 6.404/1976, de modo que o sócio administrador está autorizado a deliberar a respeito das contas da companhia, (ii) a matéria relativa à remuneração do diretor da companhia deveria ter constado da ordem do dia, (iii) era indispensável a disponibilização do parecer do Conselho Fiscal 30 (trinta) dias antes da realização da assembleia, e (iv) a retenção dos lucros somente é possível na hipótese em que a companhia comprove a sua dificuldade financeira.

3. A aprovação das próprias contas é caso típico de conflito formal (ou impedimento de voto), sendo vedado ao acionista administrador proferir voto acerca da regularidade de suas contas.

4. Na hipótese, o fato de o único outro sócio da sociedade anônima fechada ter ocupado cargo de administração em parte do exercício não altera a conclusão que o sócio administrador não pode aprovar as próprias contas.

5. A ausência de impugnação de fundamento suficiente para manutenção do acórdão recorrido enseja o não conhecimento do recurso no ponto, incidindo o disposto na Súmula nº 283/STF.

6. O sócio tem o direito subjetivo de haver para si parcela do lucro correspondente a sua participação societária (art. 109, I, da LSA).

7. A Lei das Sociedades Anônimas prevê apenas duas situações em que é permitido o não pagamento do dividendo obrigatório ou seu pagamento em percentual menor do que o previsto: quando houver deliberação da assembleia geral sem a oposição de qualquer acionista presente ou quando os órgãos de administração informarem à assembleia geral que o dividendo obrigatório é incompatível com a situação econômica da companhia.

8. Cabe ao acionista que se considerar prejudicado demonstrar que a decisão dos órgãos de administração de não distribuir os dividendos obrigatórios está eivada de erro, é falsa ou fraudulenta.

9. A demonstração do dissídio jurisprudencial pressupõe a ocorrência de similitude fática entre o acórdão atacado e os indicados como paradigmas.

10. Recurso especial de DIANA PAOLUCCI S.A. INDÚSTRIA E COMÉRCIO conhecido e não provido. Recurso especial de STANISLAU RONALDO PAOLUCCI parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.

(Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.692.803/SP. Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, jul. em 23 de fev. 2021 e publicado no DJe 1 de mar. 2021).

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. INADEQUAÇÃO. CITAÇÃO VIA WHATSAPP. NULIDADE. PRINCÍPIO DA NECESSIDADE. INADEQUAÇÃO FORMAL E MATERIAL. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. AFERIÇÃO DA AUTENTICIDADE. CAUTELAS NECESSÁRIAS. NÃO VERIFICAÇÃO NO CASO CONCRETO. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.

[…]

2. A citação do acusado revela-se um dos atos mais importantes do processo. É por meio dela que o indivíduo toma conhecimento dos fatos que o Estado, por meio do jus puniendi lhe direciona e, assim, passa a poder demonstrar os seus contra-argumentos à versão acusatória (contraditório, ampla defesa e devido processo legal).

3. No Processo Penal, diversamente do que ocorre na seara Processual Civil, não se pode prescindir do processo para se concretizar o direito substantivo. É o processo que legitima a pena.

4. Assim, em um primeiro momento, vários óbices impediriam a citação via Whatsapp, seja de ordem formal, haja vista a competência privativa da União para legislar sobre processo (art. 22, I, da CF), ou de ordem material, em razão da ausência de previsão legal e possível malferimento de princípios caros como o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.

5. De todo modo, imperioso lembrar que “sem ofensa ao sentido teleológico da norma não haverá prejuízo e, por isso, o reconhecimento da nulidade nessa hipótese constituiria consagração de um formalismo exagerado e inútil” (GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. As nulidades no processo penal. 11. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 27).

Aqui se verifica, portanto, a ausência de nulidade sem demonstração de prejuízo ou, em outros termos, princípio pas nullité sans grief.

6. Abstratamente, é possível imaginar-se a utilização do Whatsapp para fins de citação na esfera penal, com base no princípio pas nullité sans grief. De todo modo, para tanto, imperiosa a adoção de todos os cuidados possíveis para se comprovar a autenticidade não apenas do número telefônico com que o oficial de justiça realiza a conversa, mas também a identidade do destinatário das mensagens.

7. Como cediço, a tecnologia em questão permite a troca de arquivos de texto e de imagens, o que possibilita ao oficial de justiça, com quase igual precisão da verificação pessoal, aferir a autenticidade da conversa. É possível imaginar-se, por exemplo, a exigência pelo agente público do envio de foto do documento de identificação do acusado, de um termo de ciência do ato citatório assinado de próprio punho, quando o oficial possuir algum documento do citando para poder comparar as assinaturas, ou qualquer outra medida que torne inconteste tratar-se de conversa travada com o verdadeiro denunciado. De outro lado, a mera confirmação escrita da identidade pelo citando não nos parece suficiente.

8. Necessário distinguir, porém, essa situação daquela em que, além da escrita pelo citando, há no aplicativo foto individual dele. Nesse caso, ante a mitigação dos riscos, diante da concorrência de três elementos indutivos da autenticidade do destinatário, número de telefone, confirmação escrita e foto individual, entendo possível presumir-se que a citação se deu de maneira válida, ressalvado o direito do citando de, posteriormente, comprovar eventual nulidade, seja com registro de ocorrência de furto, roubo ou perda do celular na época da citação, com contrato de permuta, com testemunhas ou qualquer outro meio válido que autorize concluir de forma assertiva não ter havido citação válida.

9. Habeas corpus não conhecido, mas ordem concedida de ofício para anular a citação via Whatsapp, porque sem nenhum comprovante quanto à autenticidade da identidade do citando, ressaltando, porém, a possibilidade de o comparecimento do acusado suprir o vício, bem como a possibilidade de se usar a referida tecnologia, desde que, com a adoção de medidas suficientes para atestar a identidade do indivíduo com quem se travou a conversa.

(Superior Tribunal de Justiça. HC nº 641.877/DF. Relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, jul. em 9 de mar. 2021 e publicado no DJe 15 de mar. 2021).

>> Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Embargos à execução. Nota promissória. Devedor principal em recuperação judicial. Execução em face do avalista. Expressa previsão no plano de recuperação judicial homologado de suspensão da execução em face do avalista (art. 49, §2º, da Lei 11.101/05). Ausência de oposição do credor. Peculiaridade fática que distingue o litígio das hipóteses de incidência da Súmula 581 e do Resp 1333349/SP (recurso representativo de controvérsia repetitiva), ambos do C. STJ. Precedente nesse sentido do C. STJ (REsp 1700487/MT). R. sentença reformada. Recurso de apelação provido.

(Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Cível nº 1053517-30.2019.8.26.0100. Relator Desembargador Roberto Mac Cracken, 22ª Câmara de Direito Privado, jul. em 11 de fev. 2021 e publicado no DJe em 25 de fev. 2021).

A Newsletter Moreira Menezes, Martins Advogados é uma publicação exclusivamente informativa, não devendo ser considerada, para quaisquer fins, como opinião legal, sugestão ou orientação emitida pelo Escritório.

Envie uma mensagem

Nós utilizamos cookies para melhorar a sua navegação. Ao navegar pelo site você concorda com a nossa Política de Privacidade.