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02.05.2022

STJ julga caso sobre desconsideração da personalidade jurídica e constrição de bens de fundos de investimento

Em 05.04.2022 a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ negou, por unanimidade, provimento ao Recurso Especial nº 1.965.982/SP (“REsp”), interposto pelo Pinheiros Fundo de Investimento em Participações (atual denominação de Bertin Fundo de Investimento em Participações – “FIP Bertin”) contra a BASF S.A. (“BASF”).

O REsp tem como processo originário embargos de terceiro opostos pelo FIP Bertin em ação de execução de título extrajudicial movida pela BASF contra Xinguleder Couros Ltda. e seus fiadores. Nos autos da Execução, foi determinada a desconsideração inversa da personalidade jurídica da Bracol Holding Ltda. (“Bracol Holding”), o que levou à inclusão do FIP Bertin no polo passivo da Execução e ao bloqueio de ativos financeiros em conta bancária de sua titularidade.

Segundo o FIP Bertin, os ativos financeiros depositados em um fundo de investimento seriam de propriedade de cada um dos respectivos cotistas, em condomínio, razão pela qual esses recursos não poderiam ser utilizados para satisfazer dívida de sociedade integrante do mesmo grupo econômico de determinado cotista.

O acórdão da Terceira Turma do STJ fixou importantes aspectos relacionados à natureza jurídica dos fundos de investimento, à impossibilidade de penhora de seu patrimônio por dívidas dos cotistas e à possibilidade de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica para atingir ativos de fundos de investimento.

Nos termos do voto proferido pelo Relator, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, os fundos de investimento são constituídos sob a forma de condomínios (conforme estabelecido em diversas Leis e atos normativos, tais como o art. 50 da Lei nº 4.728/1965; o art. 1º da Circular nº 2.616/1995 do Banco Central do Brasil; os arts. 3º e 4º da Instrução CVM nº 555/2014; e o art. 1.368-C do Código Civil, acrescentado pela Lei nº 13.874/2019).

Asseverou o Relator que, por outro lado, nem todos os dispositivos legais que disciplinam os condomínios civis são aplicáveis aos fundos de investimentos. Assim, embora destituídos de personalidade jurídica, são imputados direitos e deveres aos fundos de investimento, tanto em suas relações internas, quanto externas. Ou seja, não obstante exercerem suas atividades por intermédio de seu administrador ou gestor, os fundos de investimento podem ser titulares, em nome próprio, de direitos e obrigações.

Assim, o fato de um fundo de investimento ter natureza jurídica de condomínio e não possuir personalidade jurídica não seria capaz de impedir, por si só, a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica em caso de comprovado abuso de direito por desvio de finalidade ou confusão patrimonial.

Nesse sentido, o Ministro Relator afirmou que, ao cotista do fundo de investimento não seriam conferidas as prerrogativas do art. 1.314 do Código Civil¹, visto o cotista não desfrutar – de forma plena – de direitos em face dos ativos subjacentes ao fundo; mas somente dos direitos ligados à fração representativa da sua participação proporcional no fundo de investimento (i.e., suas cotas).

Portanto, o Ministro Relator pontuou que, em tese, o patrimônio integrante do fundo de investimento pertence, em condomínio, a todos os cotistas, de forma que o fundo não pode ser responsabilizado por dívida de um único cotista. Apenas as respectivas cotas podem ser penhoradas para fazer frente às dívidas do cotista-devedor.

Pelas mesmas razões, em sentido inverso, as cotas dos fundos de investimento também não podem ser penhoradas por dívidas do fundo.

Sem prejuízo das regras acima reproduzidas, que devem ser necessariamente observadas em circunstâncias normais, o Ministro Relator registrou que elas devem ceder diante da comprovação inequívoca de que a própria constituição do fundo de investimento se deu de forma fraudulenta, como modo de encobrir ilegalidades e ocultar o patrimônio de empresas pertencentes a um mesmo grupo econômico, “sempre se tomando cautela para não atingir as cotas titularizadas por quem não possui nenhuma relação com o executado”.

No caso concreto, a desconsideração inversa da personalidade jurídica da Bracol Holding, para atingir o patrimônio do FIP Bertin, foi decretada pelo juízo de origem por ter constatado a presença dos requisitos de desvio de finalidade e confusão patrimonial, previstos no art. 50 do Código Civil. Por essa razão, o fundo de investimento – titular de direitos e obrigações – foi incluído no polo passivo da demanda, como um dos integrantes do grupo econômico da Bracol Holding.

Para tanto, foi também levado em consideração que, no momento da constrição, o fundo de investimento tinha apenas 2 cotistas, que também eram integrantes do grupo econômico da Bracol Holding. Logo, a constrição dos ativos do FIP Bertin não tinha o risco de atingir o patrimônio de terceiros.

Assim, as seguintes conclusões relacionadas à execução de ativos de fundos de investimento e seus cotistas podem ser extraídas do REsp. nº 1.965.982/SP:

(i) fundos de investimento podem ser titulares, em nome próprio, de direitos e obrigações;

(ii) como regra geral, os ativos integrantes de fundo de investimento não respondem por dívidas pessoais dos cotistas;

(iii) apenas as cotas de titularidade do devedor podem ser penhoradas para satisfazer seus credores; e

(iv) em condições excepcionais, de abuso de direito, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica pode ser aplicado para atingir ativos do fundo de investimento, sendo necessário resguardar direitos de terceiros (i.e., cotistas não atingidos pela desconsideração).

Maiores informações, bem como o inteiro teor do acórdão proferido no REsp. nº 1.965.982/SP, podem ser encontrados no site do STJ (https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Inicio).

 


 

¹ Art. 1.314. Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la.

Parágrafo único. Nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum, nem dar posse, uso ou gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outros.

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